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segunda-feira, 23 de abril de 2018

Renata de Medeiros: "Não podia deixar algo tão lamentável atrapalhar a minha grande cobertura do ano"

A jornalista Renata de Medeiros tem apenas 24 anos. Apesar da pouca idade, a gaúcha de Porto Alegre tem uma vasta experiência no campo do jornalismo esportivo. Seu primeiro trabalho foi como estagiária, em 2011, quando ainda estava no segundo semestre da faculdade. Entrou na Rádio Guaíba, onde realizou a produção de programas, edição de áudios, elaboração de matérias especiais. Em 2012, foi para a Rádio Gaúcha, também como estagiária, onde fez reportagens e produções. De 2013 a 2014, pelo Jornal Zero Hora, cobriu a Copa do Mundo e fez coberturas ao vivo do Grêmio e do Internacional. Em 2015, ainda no Zero Hora, fez reportagens sobre bem-estar. Desde abril de 2015, Renata está na Rádio Gaúcha, onde realiza a produção do Hoje nos Esportes e faz reportagens de torcida, principalmente do Inter.

Porém, a jornalista, que descobriu a paixão pela escrita e pelo futebol no colégio, ficou nacionalmente conhecida devido à situação lamentável ocorrida no Beira-Rio, no clássico Gre-Nal. Ela recebeu insultos de um torcedor do Internacional na arquibancada superior do estádio e acabou agredida.


– Nunca passou pela minha cabeça que eu sofreria algo do tipo na arquibancada, um lugar onde me sinto tão bem e sou bem recebida. Depois das ofensas e a tentativa de agressão, sai daquele setor, relatei no ar o que aconteceu e lamentei, em tempos que a gente pede paz nos estádios – conta Renata, em entrevista para o blog.


Abaixo, você pode conferir toda a íntegra do bate-papo e conhecer um pouco mais de Renata de Medeiros. Ela fala sobre o início na carreira, os aprendizados com os companheiros de trabalho, o movimento #DeixaElaTrabalhar, Copa do Mundo e muito mais.

Houve alguma influência familiar para que você decidisse pelo Jornalismo? Como iniciou essa paixão pela profissão?
Nenhuma influência familiar no sentido de ter alguém da comunicação na minha família. Minha família é bem humilde e rural. Meus pais são produtores rurais, tem uma empresa de leilão de gado, meus avós também criam gado. Então, não tem nenhuma inspiração da comunicação na família. Essa veia da comunicação não veio hereditariamente, digamos assim. O que veio da minha família mesmo foi o gosto pelo futebol. Meus avós maternos gostam muito, a minha mãe, que foi muito importante, sempre tive essa referência feminina em casa, relacionado ao futebol. Minha mãe gosta muito do futebol. Até esses dias a minha avó me viu trocando figurinhas do álbum da Copa com meu irmão, e ela disse: “Lembro como se fosse ontem eu levando a sua mãe para trocar figurinhas no centro de Gravataí (cidade de RS)”. Ir ao centro era uma logística complicada. Saía de Morungava, interior, para ir à Gravataí. Isso me orgulha demais. Na minha família, a coisa do futebol passou da minha avó para minha mãe, e de minha mãe para mim, de forma muito forte. Minha mãe sempre foi parceira, de ir ao estádio, de discutir, a gente foi para as Olimpíadas do Rio de Janeiro juntas. Então, sempre foi uma parceria muito legal e presente. Desde pequena, gostava muito, mas meu pai não me deixava ir ao estádio, pois achava que não era ambiente de mulher, então eu acompanhava tudo pela TV e pelo jornal. E aí, lendo o jornal, surgiu a paixão pelo jornalismo. Virou meu sonho escrever naquelas páginas da Zero Hora. E aí, na sexta série, quando a gente aprendeu a escrever crônicas, comecei a fazer sobre futebol. Desde a sexta série, estava muito certa de que eu queria ser jornalista. Descobri que poderia unir duas paixões: escrita e futebol. Mas tenho crônicas da quarta série, quando eu tinha 10 anos, tenho história de “Ah, querido diário, estamos na Copa, e hoje estou trabalhando e a manchete será...”. Já me descrevia como jornalista, embora não soubesse ainda o que era ser uma jornalista esportiva. Daí surgiu o meu interesse, desde muito pequena. Nasceu pelo gosto do futebol e de escrever.

Renata de Medeiros na arquibancada (Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal)
A ‘’morte’’ do radio chegou a ser anunciada duas vezes, com o advento da televisão e, depois, com a popularização da internet. Mas o veículo ainda é valorizado, principalmente devido às transmissões esportivas. Como é possível um veículo de comunicação sobreviva a décadas de inovações tecnológicas e mantenha a sua posição como um dos protagonistas do universo dos meios de comunicação social?
Eu acho que o jornalismo tem muito disso, com um advento de um meio de comunicação, decretar a morte de outro. O que tem que acontecer é a reflexão do jornalista – e do jornalismo –, como um todo, sobre o próprio veículo e do papel que ele exerce na sociedade. Por exemplo: o jornal impresso, que é a situação mais crítica entre os meios. Não é porque o pessoal não gosta mais de ler jornal, é porque a rotina mudou. E isso serve para todo o tipo de canal. E o rádio passa muito por isso também. A instantaneidade mudou bastante. A Rádio Gaúcha, por exemplo, ultimamente tem uma programação quase 100% ao vivo. Antigamente, tinha muitos programas gravados. A instantaneidade não era muito relevante, ainda não tinha a internet, então era algo que caminhava na mesma velocidade da sociedade daquela época. Eu acho que o rádio conseguiu acompanhar essa evolução. A internet ajudou muito, pois quem está na China ouve a Rádio Gaúcha e outras rádios pelo aplicativo. Em vez de diminuir o alcance, a internet potencializou. O rádio é uma companhia. Eu não consigo entrar no carro ou em casa e não ligar o rádio. Acho que isso é muito comum. O que tenho a ponderar é isso: a internet ajudou a melhorar o alcance. Enquanto a gente conseguir se adaptar à velocidade e à forma de consumo da sociedade, o rádio vai continuar presente na vida das pessoas. 

Além de repórter, você também é produtora na Rádio Gaúcha, onde está atualmente. Tem alguma matéria/produção de programa que você considera a mais especial?
Eu produzo o “Hoje nos Esportes”. Quando tem jogo, estou escalada como repórter. Mas a minha produção diária é o programa com o Luciano Périco, que, para mim, é um grande mestre, que fez arquibancada durante 20 anos, deu a sua cara a uma função que não existia. Personagem imprescindível numa jornada esportiva. Eu comecei a substitui-lo em 2015, quando ainda era titular. Em 2016, quando passou o bastão para a Kelly Matos (Internacional) e o Duda Garbi (Grêmio), fiquei como substituta. Luciano é um comunicador de mão cheia, é algo gratificante trabalhar com ele. O “Hoje nos Esportes” cuido com muito carinho. Um dos programas mais informativos e descontraídos. Sempre gostei do estilo, porque traz a informação num ritmo de fim de tarde. Eu amo produzir.

Na Rádio Gaúcha, você trabalha junto com Kelly Matos, Eduarda Streb, Pedro Ernesto, Maurício Saraiva, entre outros. O quanto é valioso poder estar ao lado desses profissionais e como é a troca de experiência?
Para mim, o Lucianinho (Luciano Perico), é a pessoa com quem mais aprendi na Rádio Gaúcha. Porque, como repórter esportivo, ele criou um personagem dentro de uma jornada. Então, eu queria ser como o Luciano. Tanto que eu fico muito orgulhosa quando alguém chega pra mim e fala alguma coisa com relação a ele, porque ele é um espelho dentro do jornalismo. O Pedro Ernesto é uma pessoa que entende de rádio de maneira absurda, assustadora. Quando comecei na rádio, eu vinha de jornal. Então, eu não tinha ainda a malemolência que o rádio requer, e ele faz o intensivo numa conversa. Ele te dá o rádio na veia, tem que ficar atento a todo instante, porque se tu piscas um segundo, tu deixas de absorver algo valioso. Acho que o grande aprendizado é conviver com essas pessoas, crescendo. Eu, Renata, guardo uma admiração muito explícita, que eu tenho um prazer enorme de trabalhar com o Lucianinho, mas também com o Zé Alberto Andrade, repórter de mão cheia. Se eu for 10% do que o Zé é, pra mim, está ótimo, missão cumprida. Sérgio Boaz, que foi colega e sempre vai ser, trabalhou comigo na Gaúcha, então sou muito grata aos ensinamentos dele. Trabalhar nesse meio tu tem que se preparar para absorver tanto aprendizado.

Infelizmente, você foi vítima de agressão verbal e física por um torcedor do Internacional durante o Gre-Nal. No Twitter, você publicou: “Nunca achei que fosse passar por isso trabalhando”. Se possível, conte-nos como foi o momento após a ofensa.
Por que eu escrevi que eu nunca achei que fosse passar por isso trabalhando? Porque sempre fui bem recebida pelas torcidas de Inter e Grêmio desde que eu comecei a fazer arquibancada, ainda em 2015, quando substituí o Lucianinho. Não existia na Gaúcha esse molde de torcedor-repórter. Eu sempre substitui o Luciano, e depois substituía a Kelly Matos e o Duda Garbi, quando eles não podiam fazer seus respectivos times. Eu nunca fui identificada com nenhum time – continuo não sendo –, embora eu faça Inter com mais frequência. Eu sempre fui bem recebida pelos dois times, me tratam com muita receptividade, porque o torcedor é o meu material de trabalhar, retratar o que o torcedor pensa. Nunca passou pela minha cabeça que eu sofreria algo do tipo na arquibancada, um lugar onde me sinto tão bem e sou bem recebida. Depois das ofensas e da agressão, saí daquele setor, relatei no ar o que aconteceu e lamentei, em tempos que a gente pede paz nos estádios. Quando falei aquilo, baixou a adrenalina, fiquei bem balançada, chorei uns 10 minutos até chegar ao setor onde deveria fazer o jogo, tentando me recuperar e ter condições para terminar a jornada. Era o meu primeiro Gre-Nal, a expectativa, a adrenalina estava no topo. Não podia deixar algo tão lamentável atrapalhar a minha grande cobertura do ano, pois era o meu primeiro Gre-Nal. Chorei bastante, comprei uma Coca-Cola e pensei: “Agora que eu já descarreguei toda essa carga enorme e emotiva, agora eu vou reunir as minhas forças e vou fazer o Gre-Nal, que eu me preparei tanto e me deixou tão ansiosa e vou fazer essa jornada”.

No final de março, foi lançado o movimento #DeixaElaTrabalhar, que luta contra o assédio moral e sexual sofrido pelas mulheres nos estádios e demais lugares. Conte-nos sobre o surgimento dessa campanha e o que ela representa, vide a repercussão que vem ganhando e o apoio de atletas, clubes, entidades.
Não é só nos estádios, né? É nas ruas e, principalmente, dentro das redações. Porque as pessoas não têm tanto conhecimento. O primeiro assédio que acontece é dentro da redação, quando algum colega duvida da tua apuração, quando diz que a fonte facilitou por ser mulher ou quando a fonte quer algo contigo. Sempre existiu esse menosprezo ao trabalho da mulher dentro das redações. Então, não é só contra o assédio nos estádios. É para que nossos colegas se conscientizem também. O movimento surgiu porque já existia um grupo de WhatsApp, chamado Imprensa Girl Power, criado por algumas jornalistas do Rio de Janeiro. Elas criaram esse grupo para debater essas questões. Depois do meu caso, poucos dias depois, na terça-feira, teve o da Bruna [Dealtry], do Esporte Interativo, em que um torcedor tentou beijá-la à força, ao vivo. Foram casos que tiveram repercussões. Na quarta-feira, adicionaram a gente no grupo. E outras pessoas foram sendo adicionadas. O grupo já tinha 30 jornalistas. Os casos são muito numerosos, não é só o meu ou da Bruna. Todas que gravaram, participaram do vídeo foram vítimas de assédio. Fizemos esse manifesto que desse voz a todas as mulheres, não só as do jornalismo esportivo. Uma advogada já me procurou para ter a camiseta, um médico dizendo que a filha dele também passa por essa situação. Surgiram outros movimentos, como #DeixaElaTorcer, #DeixaElaJogar. É generalizado o sentimento de menosprezo, que a gente se sinta diminuída pelo fato de ser mulher, desempenhando funções que a gente tem total capacidade. A repercussão se deve a muitas mulheres por comprarem a causa, de [mulheres] que querem a vestir a camiseta. A identificação com muitos segmentos da sociedade foi determinante para a grande repercussão da campanha.

Renata de Medeiros, repórter e produtora da Rádio Gaúcha (Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal)
Quais são os próximos passos do #DeixaElaTrabalhar?
A gente está se organizando nacionalmente ainda, para fazer uma ação conjunta novamente. A gente tem várias ideias, mas estamos nos organizando, porque, assim como o primeiro vídeo que englobou jornalistas de vários Estados, o próximo passo também tem que englobar. Agora, somos mais de 100 jornalistas, a aprovação de qualquer ideia já dá mais trabalho que antes, porque tem que opinar, aprovar. Mas, depois do vídeo, tivemos a confecção das camisetas. Fiz mais de 200 encomendas aqui no Rio Grande do Sul. É algo muito maior do que a gente imaginava que seria. A gente está promovendo debates nas faculdades, porque é um dos ambientes mais propícios para colocar esse assunto em debate e reflexão, porque vão surgir as novas profissionais e os novos profissionais, que vão tornar o ambiente de redação um pouco mais propício para a presença da mulher. Estamos engajadas em promover isso. Na sexta-feira, participamos do TVE Debate – TV Pública – colocar essa questão no ambiente em que todos têm acesso é muito importante. Então, estamos em um estágio de disseminação. Não queremos ir contra os homens, e isso é uma barreira. Não quer dizer que somos inimigos. Pelo contrário. A gente quer ter as mesmas condições: ser tratada do mesmo jeito, ter os mesmos salários, ocupar os mesmos espaços. A gente quer igualdade, e não superioridade. Ainda está tendo bastante repercussão. Mas passado aquele boom inicial, o foco é explicar como funciona. Enquanto não tiver igualdade, a campanha vai continuar. Não podemos atropelar as coisas. Vamos para a conscientização. E o próximo passo será bem pensado, orquestrado e sintonizado.

Historicamente, o futebol sempre foi considerado um ambiente hostil e predominado por homens. Mas, a cada ano, o número de mulheres na imprensa esportiva só aumenta. Qual a sua análise da participação feminina nos grandes eventos esportivos e o maior obstáculo enfrentado por você para entrar nessa área?
Sou uma péssima pessoa para falar sobre o maior obstáculo para entrar nessa área, porque eu sempre fui metida no jornalismo esportivo. Sempre quis futebol, frequentava estádio com naturalidade, me sentia em casa no ambiente esportivo. E o meu primeiro emprego eu consegui quase sem obstáculo, porque eu estava fazendo um trabalho para a faculdade e queria entrar no setor de imprensa do Beira-Rio, para falar com os jornalistas a respeito da execução dos hinos antes dos jogos de futebol. Vi um repórter de rádio, não sabia quem era, e perguntei para ele onde ficava a área. Aí ele disse: “Tu és estudante de jornalismo? Tu gostas de esporte?”. Aí eu disse que sim, adoro. “Ah, porque nós precisamos de um estagiário para o rádio, tu queres?”, claro, eu respondi. Na segunda-feira, fui lá, passei no teste, e terça-feira estava trabalhando. Estava no segundo semestre de faculdade. Já são sete anos de jornalismo esportivo, entrei muito jovem. Sempre fui focada nisso, agarrei a oportunidade, então não enfrentei muitas barreiras. Sobre as mulheres na imprensa: isso é ótimo. Quando entrei na Guaíba (ocasião contada) em 2011, entrei na produção. E não tinha mulheres na reportagem do rádio. Por quê? Taynah Espinoza (apresentadora do Esporte Interativo) tinha saído da Band, e nenhuma mulher tinha assumido o lugar dela. Débora de Oliveira (SBT) também estava fora há um tempo. A gente teve um gap. Passou um ano, a Christiane Matos foi para a Band fazer reportagem de campo. A Rádio Guaíba botou a Ananda Muller, Camila Diesel e Samantha Klein a revezar reportagem de torcida. Depois, a Kelly Matos assumiu, depois eu viria a substituir, a Ana Carolina Aguiar, da Rádio GreNal, começou a fazer campo também. Em um curto período de tempo, de sete anos para cá, o número engordou. Eu acho que a gente tem que lutar para crescer ainda mais. Esmagadoramente, tem mais homens. Mas o primeiro passo foi dado, e o número (de mulheres na imprensa) tende a crescer.

Você acredita que o machismo no futebol tem sido mais destaque nos programas esportivos?
Eu acho que sempre foi algo debatido, mas de uma forma em que a mulher não era tão presente nesse meio, era algo distante. Pela primeira vez temos mulheres botando a cara. Quando acontecia o ato, antes, era só o homem na bancada falando e ponto. Agora, não. As mulheres estão defendendo o seu espaço, denunciando. Eu acredito que a gente está no momento crucial da história, e acho isso incrível. Porque só a mulher pode mostrar que peso uma atitude machista tem.

No atual jornalismo, são muitos os que exercem a função sem diploma e com falta de credibilidade. Você é a favor do diploma para a atuação? E qual a importância da fonte na hora de divulgar uma notícia?
Com certeza sou a favor do diploma. E não existe notícia sem fonte, né? Tem um colega meu da Rádio Guaíba que costuma dizer: “Quem revela fonte é água mineral”. Só o jornalista com diploma tem credibilidade de fazer uma notícia sem revelar a fonte e, mesmo assim, ter credibilidade. Porque a gente tem noção do que é ética, responsabilidade, honestidade, diferente de pessoas que não têm diploma e acham que qualquer boato é notícia. Não. A gente apura e a fonte é um papel tão fundamental quanto o jornalista. Para mim, são coisas que andam lado a lado.

Uma cobertura especial. Por quê?
Copa do Mundo, [porque] chega a me dar borboletas no estômago só de lembrar. Foi a melhor época da minha breve carreira de sete anos de jornalismo esportivo. É a coisa mais incrível que pode acontecer na vida de um jornalista. Eu tive muita sorte de fazer isso como estudante. Em 2013, fui contratada como repórter-assistente pela Zero Hora, então fiz toda a preparação do Beira-Rio para a Copa. Foi a coisa mais legal. Eu estava na primeira muda plantada no estádio, quando ergueram a primeira peça metálica, quando fizeram os eventos-testes, na cerimônia de inauguração. Acompanhei todo o crescimento do estádio, o envolvimento do torcedor. Tinha um grupo [de torcedor] que fazia vaquinha para manter as câmeras 24h no estádio, para acompanhar todas as obras, gente de várias partes do Brasil e até do exterior queriam ver todo o processo. Gratificantemente, eu pude ver isso de perto. Vi a transformação da cidade. O Beira-Rio mexeu com a torcida. Eu me sinto muito responsável por contemplar o lado emotivo dos torcedores nas matérias e relatos que faço. Algo que lembro com carinho foi um dia, de tarde. Todos queriam conhecer a membrana do estádio. “O que era? Como seria a estrutura da cobertura?” Era um mistério. Eu descobri quem era o engenheiro, me vesti de obreira e me infiltrei nas obras com a autorização dele para filmar em primeira mão, para a Zero Hora, e mostrar para o público o que era, afinal, aquela cobertura. Então, só o fato de sair de tarde, de capacete, bota de borracha e tentar entrar no estádio, escondida (claro, o engenheiro me acompanhando), porque ninguém poderia saber, foi algo muito legal. Pude aprimorar minha apuração. O meu editor na época, Rodrigo Muzell, foi determinante para a construção. Foi mágico, incrível. Ainda bem que está chegando a próxima Copa. Eu tinha muita liberdade para determinar o tipo de pauta. Na estreia do Brasil [contra a Croácia], eu fui para a emergência de maternidade, para ver se algum casal colocaria o nome do seu filho relacionado ao futebol. Descobri que um casal estava colocando o nome de David Lucca, nome do filho do Neymar. Descobri histórias incríveis, que só a Copa poderia proporcionar. Com certeza a Copa de 2014 foi a cobertura que guardo com mais carinho. Foi a primeira e espero que não seja a última.

Um jogo inesquecível que você trabalhou como repórter?
Não sei se tem um jogo, mas a cobertura da Série B, do ano passado, foi algo de muito valor profissional para mim. Porque eu fiz as 19 rodadas do Inter no Beira-Rio. Foi uma Série B conturbada, teve protestos, foi o primeiro campeonato que cobri de cabo a rabo, porque a Kelly Matos saiu da torcida do Inter em março de 2017, no meio do Gauchão, então terminei de cobrir o estadual. Foi uma longa cobertura, nunca tinha assumido essa função de maneira contínua. A Série B foi, sem dúvidas, uma cobertura de grande crescimento profissional, porque durante muitas rodadas teve muitos protestos, então eu tinha que cobrir, era gás de pimenta, bomba de efeito moral, bomba de gás lacrimogênio, ação da polícia, torcida, vândalos. Relatar isso com tanta riqueza de detalhes para alguém tão inexperiente como eu era, foi um desafio enorme. Então, olhar para trás e ver que eu consegui fazer tudo isso e tomar como conhecimento profissional, jornalístico, é algo que me orgulha demais. Eu ter dado conta e utilizado para me tornar uma repórter de torcida, uma repórter, no seu sentido literal. Eu acompanhei a emoção dos torcedores, pois foi o primeiro rebaixamento do Inter, acompanhar esse fardo me fez crescer. Estar do lado da torcida que viveu esse martírio foi enriquecedor. Embora tenha sido bem pesada, foi a cobertura mais importante que fiz na rádio.

Quem são os jornalistas e/ou profissionais da comunicação que mais admira?
Lucianinho (Luciano Perico) é o top 1. Outra pessoa que admiro muito é a Ana Thais Mattos, da Rádio Globo, SporTV. Pra mim, ela é uma mulher incrível, setorista, comentarista, expressa tudo com muita clareza, não se intimida por ser mulher, faz perguntas ótimas nas coletivas que consigo acompanhar. Pra mim, é a mulher referência dentro do jornalismo esportivo hoje. Depois do Lucianinho, ela é a pessoa em que mais me espelho.

Renata de Medeiros entrevista o técnico da seleção brasileira, Tite (Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal)
Um sonho que pretende realizar?
Cobertura in loco de Copa do Mundo. Acho que o que eu vivi na Copa de 2014 serviu para eu me preparar, como profissional de jornalismo, foi uma experiência incrível e me deixou com vontade de repetir. É o meu grande sonho cobrir in loco. Tenho outras vontades, como morar fora, acompanhar outros campeonatos – Italiano é um exemplo, um dos meus sonhos é morar em Turim. Não pensei isso profissionalmente, mas já que estamos falando de sonhos, né? Londres é outra cidade que gostaria de viver, para acompanhar o futebol inglês.

Uma entrevista que gostas sempre de recordar?
Que eu tenha feito, pelo peso depois da morte do Fernandão, com certeza foi uma entrevista com o Fernandão, antes da reinauguração do Beira-Rio para a Copa. Ele chorou nessa entrevista, dizendo que gostaria de reeditar a cena do “OOOO, Vamo, Vamo Inter” (após a conquista do Mundial de Clubes de 2006). Poucas semanas depois, ele morreu e aquilo me marcou muito. Participei da cobertura dos atos fúnebres e vi o tamanho do Fernandão para a torcida do Inter. O peso de ele ter chorado comigo, em uma entrevista, ao telefone, se tornou ainda maior. Uma entrevista que me marcou. Um repórter conseguir arrancar algo, que é a emoção, do entrevistado é muito legal. O ato se tornou grandioso, infelizmente, após a morte dele. Pelo contexto, depois, recebeu um peso muito grande pra mim. Outra coisa que me marcou muito, também, foi o especial que eu fiz com o Raphael Gomes sobre a Batalha dos Afiltos (jogo entre Náutico x Grêmio). A gente poder recontar histórias que já passaram de uma maneira diferente, mexendo com a emoção das pessoas, eu acho mágico. E ver o retorno junto à torcida é muito recompensador. Então, outra cobertura que me marcou bastante, que completou 10 anos em 2015.

Qual a análise que você faz da dupla Gre-Nal em 2018?
São análises bem distintas. O Grêmio vem forte, com base de time desde 2015, com um técnico que amadureceu muito, que está longe de ser aquele cara que chegaria ao Grêmio para motivar um elenco que estava acertadinho. O Renato deu outra cara de jogar e conseguiu manter isso ao longo dos anos, porque passou pelo título da Copa do Brasil, Libertadores, Recopa e Gauchão. O Grêmio é candidato a título, pois ainda tem Brasileirão, Libertadores e Copa do Brasil, então está no pleito para conquistar. Pelo calendário, acho complicado ir atrás de mais de um desses títulos. Eu acho que tem um grupo, técnico e, o mais importante, união política, algo que falta ao Inter, um dos fatores pela bagunça gigantesca que virou o clube. De campeão mundial a rebaixado para Série B, não conseguiu ser campeão. Neste ano de reconstrução, foi eliminado no Gauchão, na Copa do Brasil sem chegar as oitavas de final, então só tem o Brasileirão. Será um ano complicado. A torcida vai cobrar não só resultado, mas desempenho. A torcida vai cobrar uma vaga na Libertadores. Será um desafio de o Odair Hellmann mostrar para os torcedores que o time está focado. Muitos técnicos passaram pela equipe em um curto período de tempo, desde o Aguirre, semifinalista de Libertadores há três anos. Os jogadores têm que assimilar essa forma de jogar do Odair, botar em prática, e começar o ano de 2019 bem estruturado. Terá eleição no fim do ano. O ambiente político está tenso, principalmente porque o ex-presidente Vittorio Piffero tem milhões de reais sendo investigado pelo Ministério Público, ele teria desviado do caixa do clube, então é algo que mexe com os bastidores políticos. A gente sabe que essa desunião política é algo prejudicial. O Grêmio, por exemplo, só conseguiu voltar a ser vencedor quando Romildo Bolzan assumiu a administração e conseguiu unir movimentos políticos ao redor dele, é um cara agregador. Enquanto o Inter não entrar nesse caminho – e não há indícios – por enquanto, as coisas vão continuar bem difíceis pelo lado do Beira-Rio.

O que você espera da Seleção Brasileira nesta Copa do Mundo? Expectativa é maior em relação a 2014?
Acho que nunca, na história, a gente vai ter uma seleção com uma expectativa tão grande quanto a de 2014, porque era uma seleção campeã da Copa das Confederações, torneio em casa, baita time. Então, e com o técnico do Penta (Felipão). Então, se não era um cenário extremamente propício para vencer a Copa, eu não sei mais o que é. Agora a gente vem empolgado por quê? Depois do 7 x 1, da volta do Dunga, o trabalho do Tite é o primeiro alento que a gente vê na seleção, mas acho que a expectativa não é maior com relação à Copa de 2014, embora seja grande. A seleção terá adversários importantes na luta pelo título, como Espanha, França Alemanha e Inglaterra, seleções que vêm muito bem para esta Copa. Então, a seleção brasileira vai ter dificuldades. Os testes demonstraram isso. Eu acredito que o hexa é possível, mas o hexa de 2014, pra mim, era mais próximo.

Renato Gaúcho na seleção brasileira? (Foto: Lucas Uebel/Grêmio FBPA)

Muito se discute sobre Renato Gaúcho como futuro técnico da Seleção. O que você pensa a respeito?
Acredito que é um técnico que amadureceu muito, porque, antes, a gente só enxergava apenas como motivador. A gente vê que é um técnico que conhece muito sobre futebol, tem repertório, que tem alternativa. O Grêmio perdeu Pedro Rocha, Wallace, Barrios, e o Renato conseguiu ajeitar o time. Por ter amadurecido muito e ter aprendido, eu acredito que ele é um bom candidato para assumir a seleção após o Tite. O Renato sabe dar continuidade, aproveitar as coisas positivas. O Tite tem um projeto de longo prazo na seleção, mas acredito que a transição pode acontecer. Se tu me perguntasses isso na última passagem pelo Grêmio, alguns anos atrás, eu diria que era possível. Hoje é factível.

Como é a relação dos clubes e jogadores com a imprensa em Porto Alegre?
É tranquilo. A gente tem um melhor trato, digamos assim, no Grêmio, a gente consegue trabalhar melhor em relação ao Inter, talvez o momento explique isso. Mas, com relação aos demais clubes do Brasil, Porto Alegre é um paraíso. Se a gente pegar o Atlético-PR, por exemplo, tem uma relação muito fechada com a imprensa. No geral, classifico como tranquila a relação.

Para ser uma boa comunicóloga, qual a fórmula de sucesso?
Quando vocês me descobrirem, vocês me contem (risos). Não considero uma comunicóloga, muito menos de sucesso. Não sou a pessoa certa para dizer isso, e acredito que não tenha uma fórmula.

Deixe um recado para os nossos leitores que querem seguir a área do jornalismo e nos conte como é trabalhar na Rádio Gaúcha.
Quem quer jornalismo esportivo tem que meter a cara nessa área, tem que estar metido nesse ambiente chamado futebol e não ter medo de agarrar as oportunidades, mesmo que as primeiras sejam diferentes daquelas que o nosso sonho sempre quis, porque o primeiro passo sempre tem que ser dado. Trabalhar na Rádio Gaúcha é uma experiência muito enriquecedora, porque a gente trabalha com grandes ícones da comunicação brasileira. Trabalhei com Wianey Carlet, que cobriu – Bah – não sei nem quantas Copas (foram 10 edições), Pedro Ernesto Denardin, cheguei a trabalhar com professor Ruy Carlos Ostermann, Zé Alberto Andrade, Sergio Boaz (nomes fortes da reportagem). É uma experiência enriquecedora e que me deixa muito grata, por tão nova aprender tanto com eles.

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