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domingo, 31 de janeiro de 2016

Paixão pela escrita, situação inusitada na Espanha e reportagens especiais: conheça Thiago Crespo

Thiago Crespo entrevista Gabriel Jesus
"A possibilidade de contar histórias com as minhas próprias palavras sempre me fascinou". Essa frase é do jornalista do SporTV, Thiago Crespo. É um indivíduo que se ocupa do bom jornalismo. Além de utilizar o microfone com maestria, utiliza-se da escrita como um diferencial.

Ela nos oferece várias possibilidades. Por meio da relação papel/caneta, computador/teclado (não necessariamente nessa ordem) podemos mostrar com clareza o que somos, o que pensamos. Podemos transmitir às pessoas nossos sentimentos, ideias. Thiago faz muito bem isso em relatar suas experiências em seu blog.

Escavador de histórias marcantes e preciso nas informações, Thiago surgiu no cenário jornalístico no programa de estágio da emissora - Passaporte SporTV. Mas ele não sabe porquê decidiu entrar na profissão. "Foi orgânico", diz o menino nascido em Rio Claro, interior de São Paulo.

Humilde, amigo e atencioso, Thiago conta-nos nesta entrevista sobre vários assuntos. Origem no jornalismo esportivo, fala da seleção brasileira no período da Copa América, relembra uma situação inusitada que passou na Espanha, elege as reportagens mais especiais.

Para os futuros leitores, explique quem é Thiago Crespo?
Ih... Não gosto muito da ideia de me definir. Primeiro porque eu não saberia, depois porque eu não gostaria de me prender a uma ideia fixa sobre mim mesmo. Mas, pra simplificar, sou jornalista (e isso talvez diga muito sobre uma pessoa, né?).

Em que momento decidiu se tornar jornalista? Você teve alguma influência familiar?
Foi orgânico. Não houve um momento específico, por exemplo, em que eu tenha tomado a decisão de ser jornalista. Não me lembro de ter sequer me sentado pra pensar qual seria a minha opção no vestibular. "Não sei, só sei que foi assim". Gosto de escrever desde muito pequeno e também sempre gostei de ler; acho que são os passos mais óbvios pra escolher esse tipo de profissão. A possibilidade de contar histórias com as minhas próprias palavras sempre me fascinou. Meu pai é engenheiro e minha mãe é bióloga/professora, mas houve muita influência familiar no que diz respeito ao incentivo que eles sempre me deram pra que eu escrevesse.

Quem são os jornalistas e/ou profissionais da comunicação que mais admira?
Admiro uma lista infinita deles. Hoje, em termos de reportagem, tenho quatro referências: Eliane Brum, Caco Barcellos, Tino Marcos e Pedro Bassan. Em termos de comunicação em geral, o Marcelo Tas, Pedro Bial e o Tiago Leifert; Juca Kfouri, pelo espírito combativo.

Na sua opinião, a cobertura esportiva brasileira é satisfatória? Não faltaria, por exemplo, um pouco mais de jornalismo investigativo?
A mídia esportiva sempre vai viver um dilema existencial: é jornalismo ou é entretenimento? Dá pra ser os dois?  A partir disso é que a gente define o que falta, o que sobra, o que precisa ser reciclado. Hoje, mais do que nunca, existe espaço pra tudo.

Quais são suas opiniões a respeito da seleção brasileira? A revolução no futebol deveria começar muito antes da derrota contra a Alemanha?
Não dá mais pra se sustentar na ideia de que o Brasil é o maior campeão mundial de todos os tempos. Embora não seja um fato desprezível, o que importa discutirmos agora é o "hoje" e o "amanhã". Esse time que eu vi de perto na Copa América do ano passado é a pior seleção brasileira de que eu tenho notícia. Se honestidade e coragem significam "revolução', então precisamos disso.  

O seu início no SporTV foi através do programa "Passaporte SporTV". Qual é a importância desse projeto?
É uma escola. O repórter participa integralmente do processo de feitura da matéria que vai ao ar: ele sugere, produz, opera a câmera, grava, edita, manda o material pro Brasil. São vários desafios simultâneos - e o maior deles é voltar ao "chão", depois do projeto, e perceber que você ainda está só começando a entender como funciona a TV. A oportunidade de ser correspondente internacional no início da carreira é a inversão do glamour que esse tipo de posto sugere. Mas a responsabilidade é a mesma: reportar um país com olhos de estrangeiro.

Em 2012, a Espanha conquistou a Eurocopa, e você não conseguiu gravar a matéria. Conte-nos o que aconteceu naquela noite.
Eu estava em Madri, na Praça de Cibeles, tradicional reduto dos torcedores espanhóis em dias de festa. A seleção ia desfilar em carro aberto, era um momento histórico e o povo estava absolutamente maluco. Eu precisava mandar duas ou três matérias em poucas horas, pra todos os telejornais do SporTV, e os caras simplesmente não me deixavam gravar nada... me abraçavam, tocavam altíssimo aquelas vuvuzelas no meu ouvido,  despejavam cerveja em cima de mim... Quando eu voltei pro hotel e percebi a comicidade de tudo aquilo, vi que aquela bagunça poderia ser uma reportagem. A não-matéria era a melhor matéria que eu poderia ter pra mostrar como estava o clima no país!

Você já morou em Dublin, capital da Irlanda, durante dois anos. Poderia nos contar como foi essa estadia?
Se eu viver 50, 100 ou 200 anos, aqueles sempre serão dos mais importantes da minha vida. Pelo que amadureci, pelo que viajei, pelo desprendimento e liberdade que a gente aprende a conquistar. O plano era aprimorar o inglês, como qualquer intercambista, e em pouco tempo a gente vê que o idioma é só mais um detalhe de uma viagem como essa.

Também aproveitei pra fazer um curso de pós-graduação em reportagem. Trabalhei num pub como garçom (além de servir, eu também separava o lixo depois do expediente); uns meses mais tarde fui ganhar a vida num supermercado, onde comecei como faxineiro e depois fui pro caixa, pra lanchonete, pro departamento de laticínios, etc. Trabalhei em todos setores possíveis... um dia ainda terei meu próprio supermercado! (risos).

Cite um momento importante pelo qual você passou na Copa do Mundo, e porquê.
Uma Copa do Mundo no Brasil é importante do início ao fim. Fui "correspondente" do canal em Brasília... acompanhei dois jogos do Brasil no Mané Garrincha: a vitória sobre Camarões, talvez o melhor jogo da seleção, e a derrota pra Holanda, logo depois da humilhação diante da Alemanha. Foram momentos contrastantes.

Outras duas passagens que me marcaram bastante:

1 - Conhecer e gravar uma reportagem com o cinegrafista brasileiro que filmou o Maracanaço. A imagem daquele gol do Uruguai que a gente  vai ter na cabeça pra sempre é dele! História viva e emocionante!

VEJA: Repórter Thiago Crespo toca e canta ao vivo no Madruga SporTV

2 - Luau com o Digão, dos Raimundos, ao vivo no Madruga SporTV. A gente ficou duas ou três horas tocando violão e cantando na frente do Palácio do Planalto. Meu ídolo quando era moleque, pô, e eu ali... "trabalhando".

Você é dono de um blog chamado Literatofonia, um espaço em que você conta histórias, publica suas matérias. Como surgiu a ideia de fazer um blog?
Da necessidade de escrever, uma das minhas maiores paixões.

O que deve ser feito para aumentar o público nos estádios brasileiros, principalmente aqueles que sediaram partidas durante a Copa do Mundo?  
Oferecer um espetáculo completo. O torcedor tem que sair de casa pra algo mais do que ver um jogo.
E além disso, claro, principalmente, tem que ter uma garantia mínima de que vai assistir a um jogo de qualidade, com jogadores de qualidade. Segurança deveria ser outra coisa óbvia, intrínseca, mas atualmente parece um favor.

Um sonho que pretende realizar?
O maior deles, juro, é levar minha mãe pra conhecer o Roberto Carlos. É algo simples, mas distante. Por isso é sonho. Os outros, menores, mais egoístas e mais palpáveis, são coisas como escrever um livro, viajar o mundo inteiro, folgar todos os finais de semana...

Reportagem especial de Thiago Crespo com Leonardo Véliz, esquerdista
e que atuou pela seleção do Chile durante o regime de Pinochet
Uma reportagem inesquecível?
A carreira é curta, ainda iniciante, mas posso me permitir mais de uma?

- Quando fomos ao Quênia, em 2012, mostrar por que eles são ases do atletismo.

- A importância do futebol na vida dos meninos da Fundação Casa, antiga FEBEM.

- A história de Leonardo Véliz (Copa América em 2015). Esquerdista convicto, foi jogador da seleção chilena durante os anos do regime de Augusto Pinochet.

Como é a sua rotina? Tem hora para entrar e sair?
Todo dia, entre 20h e 21h, os repórteres recebem a escala de trabalho do dia seguinte. Posso entrar tanto às 7h como às 19h... depende das pautas. O cardápio é variado: treinos, jogos, entrevistas exclusivas, reportagens especiais, desembarque de medalhistas, etc.

A gente costuma brincar que sempre tem horário de entrada - e quase nunca de saída. Além do mais, o jornalismo é dinâmico e imprevisível; tudo pode mudar de uma hora pra outra. Já aconteceu de eu estar a caminho do treino do Palmeiras, por exemplo, e receber a ligação avisando que o Mano Menezes ia cair do comando da seleção brasileira.

Não há rotina -- e isso é bom e ruim. Bom porque, pessoalmente, detesto a ideia de viver todos os dias do mesmo jeito. Prefiro estar na rua, cada hora em algum lugar diferente, a estar sentado na frente de um computador cumprindo o horário comercial. Por outro lado, é mais cansativo e mais difícil programar atividades fora do trabalho.

Quais dicas você dá a quem está iniciando na área jornalística?
Acho que soaria professoral, pretensioso demais dar dicas a alguém que está começando. Também estou começando, né? Mais justo compartilhar aquilo que eu procuro fazer no dia a dia pra melhorar ao máximo meu trabalho.

Ler. Jornais, revistas, livros, encartes promocionais e todos aqueles papeizinhos que te entregam no semáforo. Ler tudo o que puder.

Escutar. Hoje em dia todo mundo gosta muito de falar, de emitir opiniões sobre tudo, e pouca gente se preocupa em ouvir os outros com atenção. O Mario Vitor Santos, meu professor na faculdade e um dos melhores que tive na vida, sempre nos lembrava que "Deus está nos detalhes". Exercitar a escuta, além de fortalecer a humildade, é encontrar mais e mais detalhes.

Enxergar. Olhe pro lado contrário ao que todos estão olhando. Se houver sensibilidade e disposição, você encontra uma grande história até em uma rua vazia. Quando entramos no SporTV (eu e os outros repórteres do Passaporte), o Pedro Bial disse uma coisa da qual nunca vou me esquecer: "Jornalista tem que ter brilho nos olhos". Acho que ele sintetizou de uma forma romântica, mas genuína. Precisamos ser essencialmente humanos pra fazer bom jornalismo.

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