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quarta-feira, 20 de maio de 2015

1000 gols

20 de maio de 2007. Um domingo normal. Almoço em família, rodada de Campeonato Brasileiro.

Meu time havia jogado às 16 horas. Não me lembro se perdeu ou ganhou. Mas não vem ao caso.

Era 18h30. Começava ali mais um jogo de futebol. Vasco x Sport. São Januário.

Um jogo comum. Mas que se tornaria especial.

Decidi ouvir a partida pelo Rádio. Era e ainda sou apaixonado por esse veículo de informação e entretenimento.

Romário buscava a marca de 1000 gols. O que representa?

São três zeros. É uma questão de quantidade, não de qualidade.

Não seria melhor continuar com 999. Um número mais representativo.

Três nove. É a busca incessante da numerologia.

Pelé ultrapassara a marca de 1000 gols. Não quis continuar com os três zeros.

Dizem que Friedenreich teria marcado 1329 gols, mais que Pelé, inclusive.

Dizem, mas não provam.

No livro de Alexandre da Costa “O Tigre do futebol” estão contabilizados 554 gols.

O gol de Romário não queria sair. Desistira? Jamais.

A emoção do narrador surgiu aos 25 minutos da primeira etapa.

Luiz Penido, da Rádio Globo.

Romário emendou, num belíssimo bate-pronto, um cruzamento da esquerda.

O zagueiro Durval salvou a bola que iria cair caprichosamente no ângulo direito do goleiro Magrão.

O narrador parece não se conformar com aquela intervenção. Por quê, Durval?

O gol sairia no momento exato.

Thiago Maciel cruzou na ponta direita e Durval - o mesmo que havia impedido o golaço de Romário - estendeu o braço para evitar o cruzamento. Pênalti marcado.

1000 gols?

Sim. Todos sabem que Romário era um grande especialista em cobrança de pênaltis.

Momento mágico. Uma espécie de sinfonia de Beethoven. Ou uma peça de Romeu e Julieta.

Amor ao clube. Amor à bola e à rede. Combinação perfeita. Mas que possui um tema dramático.

Afinal, nem sempre a circunferência chegara com precisão aos seus pés, ou ia de encontro à sua cabeça.

Ou havia a invalidez da gol - a obra-prima de uma partida.

Dois minutos da etapa complementar. A consagração total.

Não havia impedimento. Era Romário e a bola.

Romário: bola de um lado. Goleiro, do outro.

Apoteótico. Às sete horas e dezenove minutos. Honra!

O milésimo. Repórteres, cinegrafistas, fotógrafos em campo.

O mundo estava em São Januário. Torcedores ficaram de pé para reverenciar aquele que escreve seu nome na história do clube, assim como Carlos Drummond de Andrade na Literatura.

Aliás, como não se lembrar do livro Poesia Errante, de 1988?

Drummond, um gênio que vestira a camisa 10, indaga: Futebol se joga no estádio? Ele mesmo responde.

Futebol se joga na praia,
Futebol se joga na rua,
Futebol se joga na alma.

A emoção. A volta olímpica.

Aconteceu em São Januário - como queria o presidente do clube, Eurico Miranda.

Noticiou-se que Romário não haveria marcado essa quantidade de gols.

Oras, não creio que seja necessário ao autor de tantos gols ser obrigado a contá-los para que o mundo os reconheça. Assim como acontece com Túlio Maravilha. Respeitem!

Que importa a nós tenha Romário 899 ou três mil gols? Em qualquer outro país, a proeza teria provocado uma justa euforia. Aqui, não. Juntaram-se todas as invejas.

O gênio da pequena área. O notável.

Caso Nelson Rodrigues estivesse vivo, ele colocaria poesia, metafísica. Colocaria o lírico nas palavras.

Um feito esportivo é um feito humano, ideológico.

Trabalho realizado que exige muito esforço, técnica e aptidão.

E Romário fez o seu milésimo gol. Isso é história. Um marco. Um feito!

Quantos jogadores de futebol querem chegar ao tento 1000?

Vários, claro.

Eu queria marcar 1000 gols. Porém só praticava futebol nas aulas de Educação Física e nos intervalos. Não consegui chegar sequer a 100. Creio eu que essa conta esteja certa.

Mas, afinal, e se estiver errada?

Não acho que um aluno deveria contabilizar seus gols. Ou assistências.

Hoje contabilizo páginas lidas. Hoje contabilizo quanto tempo demoro para chegar à faculdade, devido ao trânsito infernal.

"Em jogos de competição, Pelé marcou 720 gols, enquanto o Romário já está próximo dos 700", diz o jornalista Severino Filho, autor do livro Fried versus Pelé.

Veja: se Pelé e Romário tiveram a capacidade de fazê-los, logo não tem a obrigação de tê-los contado.

Mil gols não são dez, nem quinze, nem cem.

Fato histórico!

Vou estender mais um pouco. Sei que está cansativo, mas é preciso alongar-se.

Durante a Copa do Mundo de 2014, torcedores brasileiros, em resposta aos argentinos, cantaram euforicamente:

"Mil gols, mil gols, mil gols, mil gols, mil gols, só Pelé, só Pelé...". Há um erro evidente.

Pelé não foi o único a marcar essa quantidade de tentos. Faltou citar Romário e - por quê não? - Friedenreich, a primeira grande estrela que o futebol brasileiro teve.

Não vou discutir sobre. Apenas acho que há um erro. Deveria ser consertado.

Não há mais tempo. A Copa passou. E provamos que o esquecimento de ídolos é fácil. Amnésia.

Romário foi um craque, genial na arte dominar, tocar e chutar a bola, e isso é inegável.

O Brasil deve uma Copa do Mundo a ele, que foi o toque de brilhantismo na apagada seleção de Parreira.

Romário, o grande baixinho!

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